Abra os olhos: chegou o Chá de Boldo pra curar as mazelas |
Eu que sempre fui a favor do diletantismo, vejo nessa busca caprichosa de uma assinatura própria, o autoral no seu sentido mais lato e não apenas no discurso ôco do roqueiro de garagem, uma prática altamente saudável e louvável. Até porque essa história de “a muriçoca soca, soca, soca”, hit de verão do litoral nordestino e além que infernizou nossos ouvidos na transição de 2014 para 2015 é de uma indigência apocalíptica. Presente é um antídoto para essa pobreza musical, que existe até pela falta de outras referências musicais e que insiste em arrastar a massa atrás como um trio elétrico frenético nas ruas de Salvador. A Trupe Chá de Boldo vinha num exercício experimental, fruto de um trabalho laboriosamente coletivo, desde Bárbaro(2010), aprofundado com louvor em Nave Manha(2012). Nas letras manhosas e nas melodias sinuosas impregnadas pelo espírito de cada um dos 13 (isso mesmo, 13!) integrantes dessa big band paulista. E o que é melhor, 13 músicos com estofo musical para enriquecer as composições de um álbum que prima pela diversidade de ritmos e referências.
Na capade Presente: os treze da banda em surreal formação |
Gustavo
Galo, Ciça Góes, Felipe Botelho, Rayraí Galvão, Gustavo Cabelo, Julia Valiengo,
Guto Nogueira, Pedro Gongom Manesco, Leila Pereira, Marcos Grinspum Ferraz, Rafael
Werblowsky, Remi Chatain e Tomás Bastos, a Trupe faz um som que muitas vezes desrespeita
o arrumadinho. Lembram, de forma menos radical, outros diletantes do universo
pensante paulistano que perpetraram, na década de 80, o impagável grupo Rumo,
com seu canto falado, vide Luiz Tati, Ná Ozzetti e Gal Oppido entre outros marginais
entre marginais(desculpem o rótulo), professores de alguns dos integrantes da
big band. Deitados em uma cama sonora de arranjos sofisticados, um dos grande
trunfos do disco, a turma do Chá de Boldo desarruma os lençóis do trivial com
melodiais de ritmo quebrado, como em “Fogo, Fogo”, que se incendeia lá pelo
meio em brincadeiras atonais, ou na atmosférica “Moremáximo”, em que jogam com
a riqueza e sonoridade de nosso léxico entrelaçado com a língua de Shakespeare num
beijo de língua: “O amor é o máximo/I want more/o amor é um maço/I want more/Mormaço
é pouco/ I want more/Amor”. Humberto de Campos adoraria.
E tem ainda essa riqueza de ritmos que foge
do neo-psicodelismo, como já tentaram enquadrar o som dessa trupe afogueada.
Treze músicos com liberdade criativa para espargir seus gostos e tesões
musicais é muito mais do que isso. Como assumem sintomaticamente na composição “Uma
Banda”: “Uma banda grande é demais/não cabe num elevador/ não cabe num camarim/Não
cabe num estúdio/Não cabe nos Jardins/não cabe assim”. Não cabe em definições nem
em cabeças estreitas. O bom mesmo é abrir a mente e se deixar levar pelo presente
musical oferecido. Abra o pacote e se refestele. Presente é rock, é folk, é
jazzy, é afoxé, é também psicodelia, é mistura afortunada de batuques e metais,
é, principalmente, uma suingada banda brasileira pela inteligência com que
regurgita tantas influências. “Cabe só onde tem tesão/uma banda grande é demais”,
define o grupo da melhor e mais objetiva maneira possível.
Por isso, a manha pra se ouvir Presente é estar
preparado para o que der e vier. E isso é puro lucro, pode ter certeza. Na
audição, leve as letras inteligentes consigo, aconselho. A manha é não se
incomodar com a estranheza sonora e impactante de “Jovem Tirano Príncipe Besta”,
assinada por um compositor de fora da banda, o maranhense Negro Léo, de bela e malemolente melodia, em
contraponto ao texto feroz. É se adequar
a acachapante confidência de “Aos meus amigos”, incluindo a sintonia sentimental
instigada pela letra: “Salve o amor, salve a paixão/ Salve o cantar de um
coração/ Eu sei que mesmo sem saber, um dia eu vou voltar a ver”. É se acomodar,
sem medo de ser feliz, ao bom humor exposto visceralmente em duas ótimas canções
que nos levam à colocação feita no início do texto. Na anti-ostentatória “Esse
não é o meu tesão”, onde tiram onda inclusive da sonoridade funkeira carioca, “Eu
não sou o seu tesouro/Eu não sou o seu milhão/Eu não sou seu caviar/Eu não vou
pro seu carrão”. E na definitiva “Diacho”, na qual curtem com a cara dos manés
de shopping que babam por grifes: “Diacho, pra que tanto Dior/Pra que tanto
Armani no armário” pra sugerir depois: “Se o melhor da vida a gente faz sem
renda/Se renda ao calor, se renda”. Afinal, como dizia o grande paraibano,
coisas são só coisas. Enfim, se renda ao diletantismo desse presente do Chá de
Boldo.
Cotação: Ótimo
Baixe o disco em www.trupechadeboldo.com
Simplesmente a melhor resenha que li do disco, que eu adorei :3
ResponderExcluirAchei o blog bem foda
Massa, amigo. Postei ontem uma resenha nova... Vá lá e leia. Abraço.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá Carlos. Sou jornalista e estou escrevendo uma matéria sobre o novo MPB. Gostaria de poder entrevistá-lo. Teria algum e-mail de contato?
ResponderExcluirObrigada pela atenção :)