O supergrupo paulista e sua instrumentália: armas do bem |
Muito se falou na imprensa do Bixiga 70. Pouco infelizmente se escutou nas rádios. O som dos caras corre por fora, como um cavalo azarão numa corrida cheia de pretensos e vistosos campeões. Um corcel que é puro sangue e que os olhos da maioria, vitimada por uma cegueira cultural imposta por um sistema maniqueísta e biafra, não consegue divisar. Desde Bixiga 70(2011) , primeiro álbum dos paulistas, a macumba foi feita. Bem feita. Um trabalho pesado, minuncioso, em nome de uma estupenda qualidade sonora que já se via em composições ecléticas que misturavam o batuque afro, o eletrônico, em doses reduzidas, e o jazz. Essa é a linha musical que escolheram e seguem, para o nosso bem, com católica fidelidade. Bicam o passado para fazer efervescer cadinhos sonoros que embasbacam qualquer um com sensibilidade mais aflorada, como em “Deixa a Gira Girar”, pérola presenteada pelos Tincoãs, em um vinil de 1973, e que o Bixiga resgatou no ótimo segundo disco do grupo. E incursionam no território das novidades com criações próprias que nada deixam a dever a mestres tão esquecidos. Ah, nossa memória capenga da afrobrasilidade. Somos devedores dessa música de raiz.
Ouça "Deixa a Gira Girar". É só se linkar:
https://www.youtube.com/embed/rYTlaMqrnVI
Som de jazz e candomblé, Brasil à flor de nossa pele |
Em
III, Décio 7 (bateria), Marcelo Dworecki (baixo), Cris Scabello (guitarra),
Mauricio Fleury (teclado e guitarra), Rômulo Nardes e Gustávo Cék (percussão),
Cuca Ferreira (sax barítono), Daniel Nogueira (sax tenor), Douglas Antunes
(trombone) e Daniel Gralha (trompete) continuam mandando muito bem. Veja já na
primeira música o sopro renovador e inventivo de “Ventania”, música que os
pernambucanos do Nação Zumbi, que moram na mesma sintonia do Bixiga, adorariam
ter feito. O instrumental consistente de cordas, metais e atabaques, do moderno
e do ancestral, tão bem conjuminados é quase um estado de graça. E vem aquele
toque de jazz orquestrado no momento certo e que ajuda a elevar o espírito.
Esses paulistas danados(são todos paulistas? Fico devendo essa informação), que
dominam com graça os instrumentos que tocam, vão da universalidade da música
negra de raiz norte-americana ao som radical negro-brasileiro com uma
versatilidade exemplar que fazem do disco uma bela dádiva para nossos ouvidos
cansados de baboseiras musicais. E tudo vira, a meu ver, um exercício de brasilidade
refinada como estamos pouco acostumados a ver, melhor, ouvir. É assim em
“Niram”, que chama pra dança, pro terreiro, magicamente. Dançante, sim. Basta
se deixar levar. Vai fugir da levada funkeada de “100% 13”? Besta é tu! Repare
nas paradas mântricas da composição, com os metais rasgados em contraponto.
Viagem? Pode ser, mas tente viajar também que vale a pena.
Capa do terceiro disca do Bixica: áfrica nao espírito |
Bixiga 70 é um caso aparte na nossa música, como alguns
outros grupos que buscam no instrumental, difícil arte, sua expressão. Se eles
evocam a África é porque tem um pé lá. E não fogem disso, porque a inspiração é
clara e larga. E o material que chafurdam nobremente também é rico. Talvez se
mais grupos se apoiassem nessa mistura do africano com o jazz, com o candomblé e outras vertentes afromusicais
tivéssemos uma linha musical brasileira mais autêntica e renovadora. Estamos
precisando, né? E aí ficam os testemunhais disso em composições robustas como
“Di Dancer” e “Machado’, seqüência exterminadora do disco desses caras. E até
em novas incursões, como “Lembe”, que lembra vagamente plagas árabes, o grupo
acerta. Sou fã incondicional dos paulistas porque é música sincera e boa de ser
ouvida, porque tocada com fervor e competência, e o que é mais bacana, arranjada
coletivamente num processo laboratorial. Tudo com sentido e direção certos. Dessa
forma, melhor do que falar a respeito é ouvir. Vá mergulhe em mais uma obra
fabulosa do Bexiga 70, que mantem uma coerência musical e um amor pelo Brasil
raros de ver.
Cotação: Ótimo
Vá, compre ou baixe o Cd sem demora: http://www.bixiga70.com.br/
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