O sergipano e sua música: "Só não pode sair ileso daqui" |
Veja o vídeo de “Cansaço”:
Não como um Chico
Buarque, que rasgava o verbo para, nas entrelinhas da poesia, falar da dor
de uma nação dilacerada pela ditadura. Não como um Geraldo Vandré que rasgava a carne pra enfrentar com suas letras,
de peito aberto, aquele mesmo regime militarista, medonho e cruel. Afinal, o
Brasil é outro, se apascentou, se acomodou nesses anos estáveis, precisando de
um desfibrilador pra acordar o coração dessa população que parece ter perdido a
fibra política, o pulsar da consciência coletiva. O engajamento de Alex Sant’Anna, que desde 2004 não
gravava um álbum cheio, é com a atitude diante da vida, é com a provocação.
Essa música provocativa chama para o movimento, para a ação: “Pode até sangrar,
tem que arder/Pode aliviar, tem que arrepiar/Tem que tirar os pés do chão/Tem
que acordar pra querer cantar o refrão(...)/Só não pode sair ileso daqui”,
canta ele na superbacana “Ileso”. Fazer música do bem, que nos incite a pensar,
ou, pelo menos, repensar como vivemos, é fazer política. A sua maneira e com
muita grooveria, esse cara, com suas composições de letras fortes e engajadas
chama pra luta. E, o que é ainda melhor, com talento e musicalidade a flor da
pele.
O sergipano Alex Sant'Anna mostra suas poderosas armas |
Numa leitura paralela ao momento político conturbado que nós
brasileiros vivemos, no meio dessas manifestações com a cara e cheiro da elite,
Alex Sant´Anna seria o cara que vem
na contramão, o que se mostra. E aí ele se joga de corpo inteiro, sem medo, se
engaja naquilo que canta com sua voz direta, grave, com peso, arranjos e
medidas certos. Seja na crítica a uma certa passividade, meio típico de nossa
alma tupiniquim, que deixa a alma em suspensão na suingada “Enquanto Espera”(“Espera
pra nascer/Espera pra falar/Espera entender/Espera levantar/Espera envelhecer/Espera
suportar/Espera entender/Espera explicar/Quem vai chegando vai ficando
atrás.”), alfinetada que se repete no reggae malandro de “Tô Engolindo Sapo”
(“Tô engolindo sapo/Tô engolindo sapo/Não vejo a hora de estourar/Esse nó na
garganta vai desatar.”), seja na canção do amor demais, em “O Dono da Dor”, com
uma aguda sensibilidade (“Se ferida aberta do peito cai o sal da saudade.
Arde!/Este ardor não tem quem dê jeito/Só o tempo pra fazer o milagre”), tudo é
feito com entrega, com “roubando uma palavra da música anterior”, com muito
ardor.
Essa entrega é definitiva, letra e música passionais derramadas
por canções bem dosadas, de melodias que ficam tatuadas na memória. É com
sangue quente que Sant´Anna, que já
dividiu o palco com outros inquietos, como Tom
Zé, Wado e Mombojó, encarna o homem se debatendo para se manter aceso, em
“Culpa”, uma das melhores composições do disco, um rock de melodia que vai num
crescendo agoniado, como rastilho de pólvora, com seu baixo e guitarra
incendiários: “Deve haver uma saída(...) O homem que se preza anda/Não se
ajoelha ainda/Não se entrega, insiste”. E é com essa fúria que volta à tona,
depois do mergulho do fim do relacionamento, na bela metáfora que é “Verniz”:
“Gastou, gastou o verniz do nosso amor”, canta Alex encarniçado, outro rock
ainda mais pulsante. Essas duas canções chama atenção ainda para os bons
arranjos, comandados por Leo Airplane.
E há ainda espaço em Enquanto Espera
para pequenas preciosidades, músicas despretensiosas de sabor pop como a bem
humorada “Cansado”, de espírito buliçoso, e a tropicalista “Coceira”, uma
marcha carnavalesca recheada de ironia pra ser cantada em rodas de amigos:
“Guardei uma coceira nas costas/Pra quando você chegar/Na geladeira uma cerveja
gelada/Pra quando você chegar/Pra você não ficar chateada/Quando você chegar.
Enquanto esse dia não chega, eu vou cantar”.
Enquanto Espera é
assim pois, um disco de inconformismo com dias de marasmo, de engajamento com a
proposta de se fazer boa música, decente e honesta. Quase todo escritinho por Alex Sant’Anna, são poucas as
parcerias, o álbum, o segundo de sua carreira, depois da distante estréia de Aplausos Mudos, Vaias Amplificadas(2004)
é um desses doces e inesperados presentes. Desses que fazem a gente esperar
pelo próximo trabalho com a sensação de que haveremos de ser acalentados mais
uma vez pelo bom gosto e boas idéias do sergipano. E enquanto esse dia não
chegar, vai sempre valer a pena uma revisita a essa obra que se apresenta
marcante com sua inteireza e tapas na cara. Quem tem ouvido pra escutar, que
escute, porque essa novidade, no rumo que tomou, veio para ficar.
Cotação: Ótimo
Faça o download de Enquanto
Espera e do disco anterior do artista em:
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