O combo Macumbia, da Paraíba: batuque certo para animar qualquer festa |
Na região mais ao norte do país, estado onde repousa parte
do imponente Monte Roraima, gigante numa fronteira que parece ter saído de um
sonho desses de filme de fantasia, vivo. Em Boa Vista, a capital. Aqui há
sombras de um realismo mágico tal qual um livro não escrito de Cortázar muito
e, principalmente, pela influência avassaladora de tantas raças, deuses e ritos.
Ritos que vem do concreto cheirando a novo, do Nordeste profundo, das
profundezas da floresta amazônica que se se revela nos cheiros tropicais
trazidos por inesperadas ventanias. Nos deuses pre-colombianos que de quando em
vez dançam no solo da cidade que tenta desesperadamente ser moderna, convocados
por instigados venezuelanos que buscam enviesadamente se enraizar por aqui. De
tantas cores de pele, de tantos pelos lisos no couro da cabeça, de bugre, de
índio, de branco, de olhos miúdos que pontuam a tez soberana do rosto ou do
tamanho do globo terrestre, amendoados, tão belamente negros, da graça
brasileiramente nordestina e sua cultura radical, tudo isso traz seus tambores,
seus sons roucos, uma musicalidade que se permite fértil em terra de tantos
tons. Quem imaginaria que da Paraíba viria uma música que aqui, no início do
mundo, se mostraria muito mais comum? Porque do caribe, do pop reggaetown
venezuelano cheio de marimbas e maracas, tão vizinhos daqui, a inspiração seria
mais osmótica. Mas, Macumbia, a
banda paraibana, e seu fervilhante Carne
Latina (2015) mostram que a influência cruza fronteira, transpassa brasis e
faz de nosso continental território um só organismo.
Assista vídeo caseiro de “Pablito”:
E
se nesse organismo Brasil existe uma característica, um elemento que nos unifica,
esse é a alegria. Aquela que nos faz sobreviver diante de situações tão agudas
e exasperantes, como a que vivemos atualmente na política. A mesma que pode nos
salvar do ódio e do rancor que emerge de uma disputa ideológica onde, no fundo,
ninguém está com a razão porque os dois lados conseguem sequer se questionar
dentro da inefável geografia da civilidade. Essa pulsação que, de alguma forma,
nos liga também a uma territorialidade ainda maior, a essa América do Sul que
faz da carne latina espelho desse espírito solar e o gene predominante desse
combo paraibano. Macumbia é o lado
travesso, o lado travesti, a alma travestida de baile e pista de dança. É o
Brasil latino que chama simplesmente para se requebrar e ser feliz perdendo o
máximo de calorias e mau humor. Essa carne latina que se oferece quente e
provocante não deixa espaço pra tempo ruim. Dez músicos chamam pro terreiro,
pra essa irresistível macumba que flerta com a rumbia, o reggaetown, o batuque
brasileiro e toda uma latinidade cucaracha tão orgânica quanto pode ser a
alegria. Os dez, Thales
Pessoa (guitarra e vocal), Erik Martinez (vocal), Rafael Farias (baixo e
vocal), Priscilla Fernandes (percussão), Katiuska Lamara (percussão), Bruno
Braz (guitarra), Xico Vasconcelos (bateria), Dave Kane (trompete), Rodrigo
Marques (saxofone) e Alesson Rayf (trombone), convidam pra festa.
Banda é movida pelo mistura de ritmos latinos e brasileiros |
Carne
Latina, com a
permissão dos deprimidos de plantão, pode ser um respiro nesse momento de
agonia onde todos parecem viver um justificável, diga-se de passagem, clima de
missa de sétimo dia. E a alegria, afinal, é também santa. Por isso, ouvir o
segundo álbum de carreira dos paraibanos do Macumbia (o primeiro é Chuta
que é Macumbia, de 2013), é de fé para quem gosta de esquentar, desencanadamente,
alma e pé. Então vamos nos despir dessa casca grossa maniqueísta que hoje tentam
nos impingir para se deixar levar, pelo menos nos pouco mais de 40 minutos de
vida do disco, pelo poder das maracas e percussão sul-americanas. Cantado em
espanhol, português e deliberadas e hilariantes pitadas de portunhol, o vibrante
instrumental mexe com todas as células de nosso corpo. E faz das músicas como
“Por que Yo?”, um emblemático abre-alas do álbum, tapete vermelho para entrar
com o pé direito no salão de dança. Aqui, depois de uma introdução eletrônica climática,
a bem humorada canção de levada caribenha descreve um desses “baculejos” que os
cidadãos amantes da vida noturna costumam levar e o lamento pelo infeliz e
sempre constrangedor ocorrido: “Ai, mi cielo, porque yo? (Usted rodou) Capitão
Medina, tu sabes que soy inocente”, cantam aturdidos. É o começo de um baile
caliente que nas sete músicas seguintes que certamente tem tudo para deixar
nossas roupas ensopadas de suor.
Caribe, Brasil, rap e brega se enroscam sem
vergonha em uma massa sonora conduzida com fervor pela trupe que reúne, em
círculo aberto, vários representantes dessa américa de ritmos festivos. Exemplo
disso é a envolvente e sensual “Cobertor”, que incita e provoca já nos
primeiros acordes: “Pra que tu queres um cobertor se tua negra já lhe tem calor
todo o dia”. O arranjo que lembra a velha escola cubana do Buena Vista Social
Club, influenciada pelo jazz e pelo batuque ancestral, se apodera da composição,
um dos bons destaques de Carne Latina.
Tem cunho mais clássico, assim como “Papai Noel”, que fecha o disco em tom mais
instrumental até para mostrar que os meninos da banda se arriscam a voos mais
sérios. No meio do caminho, o que se vê contudo, e o que dita o clima do álbum,
é uma despojada forma de cantar o cotidiano do jeito mais dançante e alegre que
esses piratas da felicidade podem nos oferecer. “Pablito” é fuleiragem e cumbia
das boas, com a participação especial e o aval dos ótimos potiguares da banda DuSouto e todos os elementos, lícitos e
condenados, que povoam uma noite ilimitada de festa: “Tequila, mulher e
marijuana que interessa/Me gusta, te gusta, quem não gosta?/Pablito já chegou
foi com a coca, direto de Bogotá/Se for pra misturar com rum pode botar”,
sacaneiam com estilo os doidos e os pudicos.
Em “Passito de Cuernavaca”, com ecos de cucaracha
mexicana (que viva o México) e arranjo superdançante, o Macumbia produz uma de suas melhores composições “para bailar em la
madrugada”. Com toque mais brasileiro, beirando o brega, “Parahyba” é outra
engenhosa composição que lembra o carimbó e o ritmo elétrico da guitarrada
paraense, acompanhados aqui por um impagável teclado. Curtidos pelo sol privilegiado
de João Pessoa, sem dúvida uma das capitais mais deliciosas pra se viver neste
país bonito por natureza, os beach boys e as boys (pras bandas de lá há essa
denominação divertida e incongruente para ambos os sexos) do grupo fizeram de Carne Latina um bólido de alegria para
se viver sem culpa. Simplesmente dance, como se não houvesse amanhã, despretensiosamente,
com a leveza dos que precisa desopilar do estresse e das maldades do mundo. Por
isso, nesse caso, quando avistar essa macumbia,
não chute, abrace, porque essa é do bem e da boa.
Cotação: Bom
Baixe o disco em:
www.macumbia.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário