O maranhense Bruno Batista faz de Bagaça seu disco de virada |
Ouça "Nigrinha":
https://www.youtube.com/watch?v=UNccTNom_8Y
De Bruno já havia
ouvido, em minhas andanças por uma então castigada São Luís, o primeiro e
revelador álbum de 2004, que leva o nome do artista. O trabalho deixou ecos em
mim e por dias se fez presente em noites rasantes na minha vitrolinha. Mas o
tempo, cruel na maquinação em nos separar daquilo que nos faz bem, e tudo o
mais que a vida, essa doidivanas, se agiganta e nos impele a uma desembestada
correria, atropelaram essa relação que, enfim, mal começara. E fim. E perdi Bruno de vista até reencontra-lo, num
momento de delicadeza, nesse seu Bagaça(2016),
depois de um hiato pra mim de dois CDs, Eu
não sei Sofrer em Inglês(2011) e Lá(2014).
Doce reencontro. No final da primeira audição do quarto álbum do cara veio a sensação
de uma música mergulhada na gentileza e que nos leva ao território do
aconchego. Mesmo nas faixas em que o verbo solto rasga a seda, há na poesia das
letras uma engenharia que conforta a alma. O mais recente disco desse nascido
pernambucano, crescido e assumido maranhense, se aferra assim à maturidade, com
toda a serenidade que esse abraço produz. Porque Bruno Batista parece ter achado o ponto da virada para cair na
graça de uma plateia mais abrangente. Ele mostra-se preparado, e muito bem
preparado, para ganhar o Brasil que extrapola as fronteiras de seu bem amado
Maranhão.
Bruno usa o verbo das associações e rimas serenadas |
Bagaça é fel e
mel. Tange a realidade com sua poesia de encontros e partidas. De associações surpreendentes
do rico vocabulário português, esse casamento consumado com a beleza de nossos
verbos tão sonoros, das rimas serenadas que nos espinha ao mesmo tempo que
acaricia. O que pode essa língua? Desde a primeira música, que intitula o
disco, com lindo arranjo de cordas, aliás, um lugar comum no álbum, Bruno Batista ateia fogo na palavra
expondo seu universo rico de imagens e provocações, prenhe de invocações. “Onde
será que isso termina, urucubaca, ronco de trovão/Essa ressaca, essa heroína,
essa maldita fiação(...)Eu não quero saber em que espelho se vê a minha
geração/vou encharcando o barro, empurrando o carro, esmurrando o portão”,
avisa o artista sem cerimônia, mas com uma elegância pouco vista por músicos de
sua geração. Às vezes é preciso ser culto pra se mandar alguém à puta que o
pariu. E isso faz uma grande diferença. Porque nesse mundo, arremata Bruno na mesma canção com andamento
moderno e vibrante, “todos querem a novidade, todos querem a babação, ninguém
quer piedade, todos querem perdão”. Um desabafo em tom maior, uma bela
introdução para a arte bem engendrada do cantor e compositor.
A música de Bruno
tem inteligência e substância, dessas cujo conteúdo não perdem de vista a
relação amorosa com o público. Ou seja, está longe de ser metida a besta ou
difícil. Por isso dialoga, num espasmo único, com os que entendem os versos
barrocos e cheio de referências cultas de “A Ilha”, música dedicada a São Luís
que um dia será abraçada pela cobra gigante que morde o próprio rabo. E também
com aqueles que gostam de chacoalhar com músicas decentes e espertas.
“Nigrinha”, parceria com o também maranhense Zeca Baleiro, está prontinha para tocar nas trilhas de novelas da
Globo. Com o balanço irresistível das guitarras do paulista Gustavo Ruiz e do paraense de Felipe Cordeiro, um dos renovadores da
música do Norte, essa canção é pura pérola pop com seu arranjo buliçoso e letra
de apelo radiofônico: “Torce pelo amor sincero, vendo a novela das nove/Quando
o galã diz te quero e a mocinha se comove/Nigrinha, nigrinha, nigrinha não se
abala com gentinha/Nigrinha, nigrinha, quem disse que era minha?”. No mesmo
diapasão, o ouvinte se depara com as folhetinescas “Blockbuster” e “Você não
Vai me Esquecer Assim”. A primeira é uma desbragada assunção de fim de caso. A
segunda, feita pra dançar agarradinho, traz mistura de guitarras havaianas com
brega e o bolero, carrega na letra cinematográfica, repleta de imagens de um
cotidiano bem humorado: “Depois de começar um novo drama e nunca lembrar de
apagar o gás/Depois de escolher o lado da cama e contar as horas para trás/Você
não vai me esquecer assim, meu bem”.
Capa do disco de Bruno Batista: véu da sensibilidade |
É o mesmo Bruno
Batista que usa a veia poética e coração desnudado para tocar o véu da
delicadeza. E esse espírito pouco comedido e oferecido, graças a deus, vai
buscar inspiração em ritmos tradicionais do Maranhão para se oferecer no disco,
por meio da elaborada química do arranjo, moderna e emotiva, na linda
“Batalhão”. Aqui, os tambores e as matracas hipnóticos do bumba meu boi, em
compasso com as guitarras derramadas, conquistam uma nova dimensão para
representar o batalhão de rosas. A música gentil ganha ainda outros ecos em composições
onde o delicado emerge imantado e encantadoramente. É assim na encorpada “Caixa
Preta”, climática, etérea, com marcante arranjo de cordas e solo apaixonado.
“Teu corpo é o primeiro plano, paixão ilícita/Minha seiva e destruição(...) Eu
gosto do teu corpo e do que ele faz”. E principalmente nas inspiradas “Guardiã”,
uma das mais belas melodias do álbum, música para um amor de toda estação, e
“Turmalina”, cantada por Dandara,
parceira de velhas batalhas e palcos. Poesia unha e carne com a melodia, essa
canção é uma acachapante ode ao amor que unifica almas: “Você é o colar de
turmalina, eu o coração, o camafeu/Você a cajuína, doce de nata/O teu lugar, o
teu lugar é o meu”. Por essas e outras obras do afeto, Bagaça é disco de se guardar, de se ouvir de olhos fechados e
coração aberto, de se dançar com todas as células do corpo, deixando-se
emaranhar na sensibilidade que esse grande artista expõe de forma tão crua e
certeira. Seja você essa bagaça.
Cotação: Bom
Com amor e com afeto, faça o download:
http://brunobatista.net/
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